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ÍNDICE

.

.

Os 24 segundos

do voo 402

.

O caos em solo

.

Gráficos, mapas e imagens relacionados ao acidente

.

As Vítimas

 

Fotos da tragédia

 

.

Personagens da tragédia

.

O Fokker 100 e os dados

do avião e do voo

A caixa-preta

.

O Relatório Final

(síntese)

.

.

Meu depoimento

sobre o acidente

.

Notícias da época do acidente comentadas

.A questão das

indenizações

.Vídeos sobre

o Acidente

.

Opinião e Análise

.

Outras matérias

importantes

Fontes de Pesquisa

.


.

Meu relato sobre o acidente

.

 

O dia do acidente

 

No dia 31 de outubro de 1996, uma quinta-feira, como todos os dias, saí de casa pela manhã para trabalhar. Na época. era o início da internet no Brasil e eu, jornalista formado, escrevia para diversos sites, artigos sobre o cotidiano da cidade de São Paulo e críticas de cinema. Por prazer, e para completar o orçamento doméstico, lecionava língua portuguesa em duas escolas, em bairros próximos à minha residência. E esse era o meu primeiro compromisso do dia.

 

Com a aula em andamento, por volta das 8:35 hs, a secretária da escola me avisou que havia um telefonema urgente de meu irmão mais novo, Mauro. Estranhei. Não era comum ele entrar em contato comigo ligando para a escola. Corri para a secretaria e fui surpreendido pelo que, de início, considerei uma brincadeira dele: “Caiu um avião em cima da sua casa”. Conhecendo o piadista que é, o interrompi dizendo que não era uma boa hora, mas ele – com voz desesperada – reafirmou e disse que nossos pais - que moram ao lado da minha casa - também tiveram a casa atingida, mas haviam conseguido escapar. Além disso, não sabia de mais nada.

 

Desesperei-me. Ainda tentando acreditar que seria uma espécie de “pegadinha”, deixei os alunos com a professora substituta e corri para casa.

 

Não foram necessários mais do que 200 metros para saber que algo grave havia acontecido: a distância, avistei uma enorme coluna de fumaça preta subindo do local onde moro.

 

Acelerei mais ainda em direção à minha casa. Era 8:45 hs quando me deparei exatamente com esta imagem:

 

 

O cenário – pode parecer clichê – era de um bombardeio aéreo. Não consegui ver um avião ali, apenas destroços retorcidos, casas destruídas, chamas altas, muita fumaça, pessoas desesperadas e, infelizmente, corpos, muitos corpos.

 

Permaneci estático na calçada do outro lado da rua, em frente ao meu sobrado. Era difícil acreditar, muito difícil de assimilar o que estava vendo. Acredito que tenha entrado numa espécie de estado de choque. Minutos depois, uma médica – não vi de onde ela surgiu - já estava medindo minha pressão, me fazendo perguntas e oferecendo-me água. Conversamos rapidamente, ele me informou que meus pais estavam bem – apesar de meu pai estar com uma queimadura de segundo grau no braço direito - e que eu devia sair dali. Não atendi ao pedido, permaneci ali. Precisava entender o que acontecia.

 

Naquele momento, havia um caminhão amarelo, semelhante ao do Corpo de Bombeiros, uma ambulância, alguns poucos policiais militares e de trânsito, que estavam em patrulha pela região, e alguns moradores das casas não atingidas e transeuntes que se aproximavam, todos tentando fazer alguma coisa.

 

O caos estava instalado. Mangueiras de jardim ligadas em casas do lado oposto ao da queda, pessoas com baldes, policiais e moradores - eu inclusive - derrubando portões buscando resgatar alguém dentro das casas atingidas. Uma correria, um desespero total.

 

Passados alguns minutos, chegaram os caminhões do Corpo de Bombeiros, mais policiais – militares e civis –, cadetes da aeronáutica e mais ambulâncias. A Rua Luis Orsini de Castro foi isolada e os curiosos foram afastados.

 

Iniciou-se o combate às chamas e foi intensificada a busca por sobreviventes entre os destroços do avião e das casas na área mais atingida da rua. Todos, oficiais e voluntários, atuavam de maneira frenética. Continuei ajudando. Fomos em direção às casas mais abaixo da rua.

 

Onde era possível chegar perto, entrar ou gritar perguntando se havia alguém, nós estávamos.

 

Um cachorro foi tirado com vida dos escombros. Um momento de alegria, mas foi o único.

 

Foram dez casas atingidas diretamente pela queda do avião somente na rua da minha casa. Várias outras sofreram danos pelos fragmentos da aeronave.

 

Para facilitar o entendimento, vou nomear as casas atingidas de um a dez. Minha casa era a segunda e a dos meus pais a terceira.

 

Antes de cair sobre nossas casas o avião atingiu três prédios: na Rua Jurupari, nº 40, o primeiro, que teve seu telhado arrancado; o segundo, também na Rua Jurupari, foi “cortado” pela asa direita do Fokker (um pedaço dela ficou encravado por lá); e o terceiro, na esquina da Luis Orsini com a Rua Victor Eugênio do Sacramento, teve o andar superior destruído, fazendo a primeira vítima fatal em solo: o Sr. Tadao Funada, de 60 anos, pedreiro, que, com corpo em chamas, despencou do prédio de dois andares onde trabalhava consertando o telhado. Ficou completamente carbonizado.

 

Como o avião – soube depois – caiu de lado e de maneira perpendicular à rua, após esses três prédios, ele colidiu contra as casas do lado esquerdo da Rua Luis Orsini de Castro, “aterrissando” sobre e dentro delas.

 

Na casa  "um", derrubou a frente e o telhado, vindo a trombar com a minha, a "dois". A cauda caiu em minha garagem, o trem de pouso chocou-se com a parte superior do sobrado, desprendeu-se e caiu dentro do quarto de meus pais - sobre a cama deles - na casa "três" e uma das turbinas esmagou o carro novo que eles recentemente haviam comprado.

 

 Observem a marca do pneu no parapeito do meu sobrado (à esquerda). Ali houve o choque e o desprendimento do

trem de pouso que, em seguida, arrancou a coluna e as paredes e invadiu o quarto dos meus pais.

 

As estruturas de nossas casas ficaram seriamente danificadas, as chamas atingiram a frente de ambas – com maior intensidade na dos meus pais - e os telhados, destruídos pelos fragmentos da aeronave, permitiram a entrada do combustível do avião, que tomou conta do interior de ambas.

 

Numa das poucas oportunidades em que pude entrar em casa, vi de perto o estrago causado pelo trem de pouso

 

Nas casas "quatro", "cinco" e "seis" a aeronave  “deitou” com sua fuselagem - exceto o cockpit - abrindo-se por completo e explodindo em chamas. A destruição foi total. Ali se concentraram a maior parte dos corpos dos ocupantes do Fokker.

 

Na casa "quatro" estavam as outras duas vítimas fatais em terra: o professor Marcos Antônio de Oliveira, 36 anos, que foi esmagado pela laje de sua garagem e seu cunhado Dirceu Barbosa Geraldo, 39 anos, que faleceu após cerca de trinta dias de internação em UTI, com queimaduras de terceiro grau em 75% do corpo.

 

A partir da casa "sete", a cabine dos pilotos do avião (o 'cockpit'), as atravessou pelo meio, destruindo tudo o que estava no caminho, até parar, empinado, nariz para baixo, na casa "dez".

 

Viam-se em todas as casas da rua – de ambos os lados -  as marcas da queda. Algumas destruídas e outras dando a impressão de terem sido metralhadas. Foram os fragmentos menores que as atingiu. Os carros que estavam na rua foram consumidos pelas chamas. O Fokker estava com os tanques repletos de combustível, que se espalhou pela rua e pelas casas, gerando um grande incêndio na área.

 

Em questão de minutos a imprensa já estava no local. Barrados no início da rua, buscavam incessantemente informações. Quando pude, atendi a todos.

 

Mas uma informação equivocada era repisada: a de que o piloto havia desviado avião da escola próxima ao local da queda. Sem detalhes do que ocorreu, essa história era posta como uma possibilidade e, como tal, um ato de heroísmo do comandante.

 

Este fato foi explorado por algum tempo, já que uma matéria - no dia seguinte - no “Globo Repórter”, deu ênfase a essa versão, entrevistando crianças, professores, mostrando cartazes com homenagens ao comandante Moreno (o piloto), tudo dentro daquela tradicional busca por um herói em meio à tragédia. Isso causou incomodo nos dias posteriores (as pessoas deixavam cartazes pendurados nas casas destruídas e acendiam velas em homenagem ao piloto). Mais a frente, essa versão se mostrou uma farsa.

 

Encontrei os irmãos do professor Marcos. Naquele momento, ninguém tinha informações sobre o paradeiro dele e do cunhado Dirceu. A família já havia procurado em toda parte, mas não os encontravam em lugar algum.

 

Naquela época, a telefonia celular era nova e extremamente cara. Para piorar, a rede de telefonia fixa da região, assim como a rede elétrica, ficaram inoperantes.

 

Sem comunicação, restava a dúvida: Marcos e Dirceu haviam saído de casa ou teriam sido atingido pelos destroços? Durante todo o dia acompanhei – ao lado dos irmãos do professor Marcos – as operações de resgate dos corpos dos ocupantes do avião. Torcíamos para que sobreviventes fossem encontrados. Mas a realidade mostrava que apenas por um milagre alguém escaparia com vida daquele acidente.

 

Eram cenas terríveis. Mesmo atuando como jornalista e já tendo presenciado todo tipo mortes em acidentes de veículos ou pessoas mortas em crimes, nada chegou próximo ao que vi naquele dia. Eram seres humanos em estado irreconhecível. Corpos carbonizados, mutilados, membros que surgiam dos escombros sem um corpo por perto. Uma sensação de angústia e de consternação se abateu sobre nós.

 

No meio da tarde chegou a informação de que Dirceu havia sido levado com graves queimaduras para um hospital. Mas e o Marcos? O desespero dos parentes do professor só aumentava. Nenhum dos corpos retirados, em que fosse possível fazer uma identificação, era o dele. E assim foi até o anoitecer.

 

Mas meu dia não estava restrito apenas a tragédia do voo 402. A aeronave transportava - escondida na fuselagem – três quilos e novecentos gramas de cocaína que, para meu infortúnio, foram achados diante de minha casa. Inexplicavelmente, em meio a todo aquele caos, fui interpelado por policiais do 35º Distrito Policial do Jabaquara sobre o que sabia sobre “a droga” encontrada. “Mas que droga?”, respondia eu perplexo, sem entender nada.

 

Muitas perguntas foram feitas até que interpelei o delegado Romeu Tuma Jr. sobre aquele tipo de abordagem, relatando meu desconhecimento do fato e formalizando queixa quanto à ação dos investigadores.

 

 

Mais tarde, divulgaram que a droga estava a bordo do avião, mas essa ocorrência - inconveniente para o serviço de segurança de Congonhas e para a companhia aérea - rapidamente desapareceu da mídia.

 

No dia seguinte, outra surpresa: fui notificado pela Sub-Prefeitura do Jabaquara a reconstruir minha casa no prazo máximo de dez dias sob pena de multa. Levei a notificação aos colegas da imprensa que a publicaram. O subprefeito (espécie de administrador regional) foi demitido no dia seguinte.

 

 

 

A ausência da TAM no local

 

A ausência de representantes da TAM no local do acidente - fosse para prestar auxílio, dar informações ou qualquer outro tipo de assistência - foi sentida. Aliás, funcionários da companhia aérea foram vistos em dois momentos apenas: na remoção dos pedaços da aeronave – o que é uma ilegalidade, pois nenhuma parte envolvida no acidente pode fazer esse trabalho, por haver a possibilidade de, ao manipular os fragmentos, comprometer o Laudo do acidente - e, ao trazer um caminhão baú, com o logotipo da empresa - para a retirada dos corpos.

 

Tanto os familiares das vítimas, quanto nós moradores desabrigados, ficamos sem nenhuma orientação sobre como proceder diante daquela situação de caos. Depois de um dia terrivelmente trágico, contamos com a solidariedade de parentes e amigos que nos acolheram. Apenas no dia seguinte, através da imprensa, soubemos que a companhia aérea havia disponibilizado um hotel, inconvenientemente localizado ao lado da cabeceira da pista de Congonhas.

 

Na época, o acidente com o voo 402 evidenciou que não havia no Brasil nenhum planejamento e nenhuma estrutura para lidar com tragédias. Listo aqui alguns fatos que observei 'in loco':  

 

não havia um comando único nas operações;

 

não havia uma central de informações (nem para parentes, nem para a imprensa);

 

não havia equipamentos adequados para o trabalho de busca e remoção dos passageiros e tripulantes. Não havia sequer aqueles sacos onde são colocados os corpos das vítimas. Elas foram embaladas em sacos de lixo;

 

não havia pessoal qualificado para lidar com esse tipo de trabalho. Todos que participaram merecem o título de heróis, pois realizaram um trabalho difícil que, com certeza, deixou cicatrizes psicológicas profundas em todos eles;

 

as ambulâncias que estavam no local não eram equipadas para esse tipo de ocorrência;

 

a alimentação e a água dada aos participantes do resgate aos corpos foram fornecidas pela vizinhança;

 

a ausência de um representante da companhia aérea, que mesmo com pouca informação, demonstrasse ao menos a preocupação da empresa em relação às vítimas e seus familiares;

 

a falta de assistência por parte da Prefeitura. Os moradores tiveram que comprar lonas plásticas para cobrir as casas, pois choveu à tarde, e eles mesmos subiram nos telhados para colocá-las (eu e meu irmão também o fizemos).

 

Sobre a postura da TAM e da Unibanco Seguros

 

A postura da empresa aérea durante o dia do acidente foi a de, da sua sede, através do seu vice-presidente, Luís Eduardo Falco, conceder entrevistas e declarar que havia assumido o comando das operações de resgate e de assistência às famílias das vítimas, já que o presidente da TAM, Rolim Adolfo Amaro, estava fora do país.

 

Em nota, a TAM divulgou que:

 

"Neste doloroso momento, a TAM se sente na inadiável obrigação de declarar que está prestando todo e qualquer apoio possível aos familiares e amigos de todas as lamentáveis vítimas, e a todos assistirá, em tudo que necessário for, para aliviar a irreparável dor e o trauma impostos por esse funesto acidente.”

 

Não houve naquele dia nenhuma assistência aos moradores vítimas da tragédia. Soubemos – no dia seguinte, pela imprensa – que a TAM havia disponibilizado um flat para que ficássemos hospedados. Aliás, numa demonstração de total insensibilidade, o flat escolhido (Golden Flat) está localizado ao lado da cabeceira do Aeroporto de Congonhas.

 

Na verdade, a TAM dava partida a uma forte operação de preservação de sua imagem, não importando se suas declarações fossem verdadeiras ou não. O fundamental para eles era a empresa e não as famílias das vítimas e os moradores, como ficou  comprovado ao longo dos anos seguintes.

 

O incrível para quem tem a ética como norte na vida, é que a maneira como a TAM lidou com a tragédia do voo 402 tornou-se um “case” para assessorias empresariais, tema de palestras do Sr. Luís Falco, tema de livros e dissertações, ou seja, para o meio empresarial, um exemplo a ser seguido em casos de “gerenciamento de crise”.

 

Em minha opinião foi, na verdade, um “case” de como uma empresa, com seu poderio econômico e seus bons contatos políticos e boa relação junto à parcela da mídia -  não importando se suas ações reais não condiziam com as declarações dadas -, pôde e conseguiu passar uma imagem de solidariedade e 'bom-mocismo' numa tragédia e, assim, alcançar o objetivo principal, ou seja ver sua empresa sair do episódio com o mínimo de dano possível.

 

De volta ao Brasil, no dia seguinte, o “comandante” Rolim, em entrevista coletiva à imprensa, declarou que iria indenizar todas as vítimas que estavam a bordo do Fokker 100, sem que fosse necessária qualquer iniciativa legal por parte das famílias. As demais vítimas, que foram mortas fora do avião, deveriam entrar em contato com a TAM para que o caso fosse encaminhado à Unibanco Seguros. Rolim declarou à imprensa:

 

“A empresa está disposta a fazer acordo com as pessoas que foram prejudicadas e não estavam na aeronave.”

 

"Faremos tudo para minimizar a dor das famílias".

 

O dinheiro a ser pago aos beneficiários das vítimas ocupantes do avião e das vítimas em solo não sairia dos cofres da companhia, já que a apólice de seguro feita pela TAM cobria todas essas despesas.

 

O seguro da companhia cobria a aeronave, as vidas dos passageiros, tripulantes e terceiros - era da ordem de 429 milhões de dólares. Destes, 29 milhões de dólares eram contra danos à aeronave e o restante contra os danos materiais e pessoais de terceiros.

 

Sobre a indenização, José Rudge, presidente da Unibanco Seguros, declarou no mesmo dia:

 

"O valor é algo próximo a isso e será mais que suficiente para cobrir quaisquer prejuízos com o acidente".

 

Porém não foi o que aconteceu. Não houve nenhum acordo e todas as famílias tiveram que recorrer à Justiça. Foram longos anos de luta nos tribunais, criando uma segunda etapa da tragédia, aquela em que você revive os acontecimentos a cada encontro com advogados, nas audiências nos tribunais, não conseguindo dar uma basta àquilo tudo, pelo menos no que dizia respeito à questão material, já que a psicológica fica irremediavelmente maculada para o resto da vida dos envolvidos.

 

A estratégia das empresas

 

A base montada pela TAM no primeiro andar do 'Golden Flat' não teve como objetivo principal o amparo às vítimas do acidente. Na verdade, foi montado um escritório para reuniões com os parentes dos mortos no avião e as vítimas em solo e o pessoal da TAM e da Unibanco Seguros.

 

Tudo muito conveniente para a empresa: afastaram-nos da imprensa, fizeram pressão diária para que aceitássemos o valor que eles queriam pagar a título de indenização e ainda usaram essa hospedagem e a inexistente "assistência total às vítimas" como ação de marketing.

 

Para se ter uma ideia, logo nos primeiros dias, foi oferecido um valor de 14 mil reais como indenização, sob a alegação de que era o valor previsto no antigo Código Brasileiro do Ar. Não vou nem me prolongar sobre o valor de uma vida, algo inestimável. Agora imagine também você reconstruir um sobrado com 14 mil reais...

 

Antes de mais nada, o momento era inoportuno para tratar de valores. O estado psicológico em que todos se encontravam só era favorável às investidas das empresas. Muitos cederam e assinaram recibos por não suportarem a pressão e por terem o desejo de se ver livre de todo aquele ambiente carregado, por um lado de tristeza e de outro da sanha aproveitadora das duas companhias.

 

Eu e minha família não aceitamos as ofertas. Isso nos fez vítimas duas vezes.

 

Aí começou outra etapa desse processo: quem não concordou com os valores oferecidos durante essa pressão inicial, teve que acompanhar uma empresa de perícia – contratada pela Unibanco Seguros – até suas casas.

 

Mais uma vez prevaleceu a insensibilidade e a indiferença em relação àquele local e ao que lá havia ocorrido. Após periciar as casas, se apressaram em afirmar que tudo poderia ser consertado, que não havia nenhum dano sério nas moradias e informaram que assim relatariam em seu laudo.

 

Na minha casa e na dos meus pais, além da parte frontal destruída, as laterais ficaram com danos na estrutura de sustentação e o telhado totalmente inutilizado. Na parte interior tudo se perdeu, consumido pelo fogo, pelo calor ou danificado pelo combustível do avião que se espalhou pelas casas junto com a água lançada pelos bombeiros.

 

Móveis, eletrodomésticos, eletroeletrônicos, roupas, documentos, fotografias, meu computador repleto de conteúdo do meu trabalho e objetos pessoais (algo que não se pode mensurar valor), foram perdidos.

 

Contratamos uma empresa de engenharia para fazer um laudo condizente com a real situação dos imóveis e saímos atrás de cotar os valores dos bens perdidos. Porém, não foram levados em consideração pela seguradora.

 

Foram dias estressantes. Reuniões no flat e na sede da Unibanco Seguros buscavam nos vencer pelo cansaço. Após quase três meses de negociações, meu pai, não suportando mais essa situação, assinou um recibo aceitando um valor muito abaixo do que era necessário para a reconstrução das casas e compra dos bens. Então, fomos vitimados novamente.

 

Ao assinar esse recibo, logo passamos a sofrer pressões para deixar o flat. Deram-nos dinheiro para três meses de aluguel e pediram para que saíssemos. Como não há imóveis facilmente sendo alugados por período tão curto, houve demora em localizar algum. Éramos questionados todos os dias do porquê de não termos deixado o flat ainda.

 

É interessante lembrar a declaração do então vice-presidente Administrativo e Financeiro da TAM, Daniel Mandeli Martim:

 

“As despesas de hospedagem serão pagas até que a TAM indenize todas as vítimas.”

 

Sendo assim, eu poderia estar hospedado no Golden Flat até hoje.

 

A obra de reconstrução de nossas casas começou por apenas uma delas, isso porque tínhamos algum dinheiro em poupança para complementar a quantia paga e pagar pelos serviços e o conteúdo destruído pela queda do avião.

 

O Relatório da Aeronáutica e a questão das indenizações

 

Mas afinal, qual o conceito de indenização para essas pessoas?

 

No direito civil a rubrica indenização quer dizer reparação financeira por perda patrimonial provocada por outrem; reparação financeira por dano, material ou moral, causado pela prática de ato ilícito.

 

O ilícito foi provado na Justiça no Relatório da Aeronáutica sobre as causas do acidente. Aliás, esse relatório e a demora para sua conclusão é um caso a ser tratado a parte.

 

Das conclusões do Relatório:

 

x. Doutrinariamente, qualquer ação de uma tripulação, frente a qualquer anormalidade, no ambiente da cabine de comandos de voo, abaixo de 400 Ft, é não recomendável;  (estavam bem abaixo)

 

y. Estatisticamente, as tomadas de decisão abaixo dessa altura, via de regra, agravam as circunstâncias da situação de perigo, aumentando o risco;

 

Fatores Contribuintes (para o acidente)

 

c. Fator operacional

 

(1). Pouca experiência na aeronave

 

A pouca experiência do co-piloto contribuiu para uma limitação de informações e auxílios ao comandante. Este possuía 230:00 horas totais de voo neste modelo de aeronave.

 

(2). Deficiente aplicação de comando

 

Por três vezes a manete de potência do motor 2 recuou e foi avançada. Essas intervenções naquela manete provocaram a redução da manete de potência do motor esquerdo, prejudicando o desempenho da aeronave. O não retorno da manete esquerda de imediato para a potência de decolagem e a demora de mais quatro segundos em alcançar tal potência, contribuíram para deteriorar ainda mais a capacidade de subida da aeronave.

 

(3). Deficiente julgamento

 

O desconhecimento por parte dos tripulantes, por insuficiência de avisos e de informações sobre a anormalidade, foi determinada para que eles abandonassem a sequência normal de procedimentos, tais como recolhimento do trem de pouso e acionamento do Auto-Pilot, para tomar as iniciativas de priorizar a solução de uma situação inusitada, instalada na cabine de comando, abaixo da altitude de segurança e que acabou por levar à perda de controle da aeronave, não sendo possível também determinar qual deles tomou a iniciativa o que indetermina esse aspecto.

 

d. Outros aspectos

 

2). Tomada de ação abaixo de 400 Ft

 

Doutrinariamente, qualquer ação de uma tripulação, frente a qualquer anormalidade, no ambiente da cabine de comandos de voo, abaixo de 400 Ft, é não recomendável.

 

A tripulação tentou gerenciar o controle da aeronave, abaixo de 400 Ft, em virtude da grande perda de energia  - baixa velocidade e razão de subida para o prosseguimento da subida - acentuado ângulo de ataque.

 

A tripulação priorizou a necessidade de potência - "full power" - em ambos os motores, em detrimento da realização do "cheque" após a decolagem.

 

(3). Ação inadequada frente a pane não prevista

 

Baseado nos dados colhidos no SSFDR, dos parâmetros de Fuel Flow e EPR, a manete do motor nº 2 foi levada para a posição de máxima potência, após o travamento da referida manete na posição "IDLE".

 

Este travamento ocorreu imediatamente após o Lift-Off, quando a manete recuou sozinha para a posição "IDLE", ficando travada por cerca de 03 (três) segundos. Contudo, o próprio sistema liberou a manete, induzindo o co-piloto a levá-la para a posição de máxima potência, mesmo depois de ter informado ao comandante sobre o seu travamento.

 

Cabe ressaltar que o comandante não solicitou tal ação depois de ter sido informado do travamento, bem como o co-piloto não questiona se tal ação deveria ser tomada ou não.

 

O avião não forneceu meios para que ambos os pilotos pudessem imaginar o quão inoportuno se tornaria essa atitude naquele momento tão crítico do voo.

 

No caso da ação não ter sido realizada pelo co-piloto, a suspeita recai no comandante, induzido pelas mesmas razões apresentadas anteriormente.

 

 

Essas foram as irregularidades constatados pelo Relatório sobre o acidente, onde consta a recomendação para que a TAM, entre outras coisas, deve:

 

c. Deverá dar uma maior ênfase aos treinamentos realizados nos simuladores de voo com relação à abertura do reverso nas diversas fases do voo.

 

d. Deverá, nos treinamentos iniciais e de revalidações, enfatizar a importância da não-tomada de ação abaixo dos 400 pés.

 

e. Deverá ser incluído no treinamento teórico e no simulador, procedimento para o caso de retardo não comandado de uma das manetes de potência durante as fases de decolagem e subida.

 

f. Deverá incrementar o treinamento de CRM (Cockpit Resource Management) para todos os tripulantes da empresa. Observar a circular 227-AN-136 da OACI, Human Factors Digest nº 3.

 

g. Apesar de não ter influenciado para a ocorrência do acidente, verificou-se que algumas vezes a escala de tripulantes saía com a jornada de trabalho acima do que é permitido. A empresa deverá confeccionar as escalas de voo de todos os tripulantes seguindo o que prevê a lei 7.183, de 5 de abril de 1984.

 

h. O diretor de operações da referida empresa, deverá enfatizar para o pessoal do grupo de voo (pilotos e co-piloto) quanto a obrigatoriedade da leitura do check-list, conforme o previsto no manual de operações.

 

Comentando o Relatório

 

O prazo estabelecido para a entrega era de 90 dias. O Relatório demorou 406 dias para ser concluído. Houve vários adiamentos no prazo. Chegou a ser pedido ao STJ que determinasse ao Ministério da Aeronáutica a entrega de pelo menos um relatório preliminar.

 

A Comissão que elaborou o Relatório teve 11 membros integrantes, 11 deles pertencentes a empresas envolvidas.

 

Falhas gritantes na elaboração do Relatório:

 

afirma que o fabricante do avião informou por carta que não era necessário treinar os pilotos quanto ao reverso.

 

Falso: carta da Fokker pede o treinamento.

 

afirma que o piloto que fez o voo anterior com a aeronave não relatou nenhuma ocorrência à tripulação do voo 402.

 

Falso: o piloto Armando Luís Barbosa trouxe o avião de Caxias (RS) a São Paulo. Na investigação da Aeronáutica, ele disse que alertou o piloto que se acidentou de que havia falha no ATS, um sistema de aceleração automática da aeronave.

 

A Comissão que investigou o acidente e elaborou o Relatório Final teve 11 membros integrantes, 11 deles pertencentes à empresas envolvidas. Não havia representante das vítimas. Nem seria necessário dizer, mas vá lá: a TAM foi inocentada. Porém a Justiça não entendeu assim e a condenou em todos os processos a que foi submetida.

 

E completando a explicação à direção da TAM e a da Unibanco Seguros sobre o que significa indenização, cito alguns sinônimos facilmente encontrados em nossos dicionários:

 

“compensação, emenda, recompensa, remuneração, reparação, ressarcimento, restituição, satisfação.”

 

Pouquíssimas famílias formalizaram acordo com a TAM dando o caso por encerrado. A maioria buscou na Justiça, brasileira ou americana, a reparação de suas perdas e os danos morais sofridos.

 

A TAM e a UNIBANCO Seguros contrariando o que seus presidentes declaram publicamente um dia após o acidente, não aceitaram as decisões da justiça, interpondo infindáveis recursos apenas para ganhar tempo e prejudicar as vítimas.

 

Suas argumentações de defesa não obtiveram êxito. Ficou comprovada a culpa da empresa aérea e sua obrigação como prestadora de serviços em arcar com as despesas oriundas dos danos por ela provocados, seja aos seus clientes, seja a terceiros que foram prejudicados pela ação da empresa.

 

Não posso deixar de citar o que considero uma pérola dos defensores da empresa: consta nos autos do processo que, em sua defesa, a TAM alegou que não tinha intenção de causar o acidente. Que ótimo! Deveriam afixar nos balcões de venda de passagem um cartaz informando aos clientes: “Voe pela TAM, uma empresa que não tem intenção em derrubar aviões.”

 

Tirando alguns terroristas mais ousados, não conheço ninguém que tenha essa intenção. Em suma, uma declaração inútil, despropositada, desnecessária.

 

Ao longo destes anos algumas ações foram pagas – aqui ou no exterior – acordos foram fechados, mas sempre em valores inferiores ao pleiteado e alguns casos ainda tramitam nos tribunais.

 

Incomodou muito o fato de quando era questionada pela imprensa, a TAM declarar que havia pago para nós a indenização, um mês após o acidente. Então qual a razão de existirem naquela época tantos processos em andamento contra a companhia aérea e sua seguradora? Se todas as declarações dadas pela empresa fossem verdadeiras, ela teria ganho a causa em primeira instância. Não foi o que aconteceu. Em parceria com a Unibanco Seguros, a TAM continuou por muitos anos vitimando os envolvidos com a queda do seu badalado Fokker 100 “number one”.

 

Jorge Tadeu da Silva

Jornalista

 


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